Discurso de encerramento do 2º Fórum Liberdade e Pensamento Crítico, proferido por Amândio Silva

Companheiras e Companheiros, mais uma vez todos fomos hoje companheiros e companheiras em mais um dia de comemoração da Liberdade e do Pensamento Crítico: Membros da Comissão Organizadora, todos os Colaboradores, todos os voluntários, todos os intervenientes nos Debates, todos os artistas, de tantas artes,  todos os funcionários  e técnicos tanto do Camões, como da Câmara Municipal de Lisboa, todos que, com sua dedicação e seu empenho, nas diversas Salas, neste Ginásio e daqui a pouco no Auditório, protagonizam e vivem um dia que se pretende de grata recordação e mobilizador para fazermos mais e melhor.

É justo agradecer a este mítico Liceu Camões, à Associação José Afonso, à Associação Mares Navegados, à Plataforma Cascais, à Associação Abril. à Universidade Lusófona, à Casa da Língua Portuguesa, ao Coletivo Andorinha, à RDP Nacional e Internacional, mormente à ANTENA 1, também parceira institucional deste Fórum, e, naturalmente e de forma especial, mais uma vez e esperemos que por muitos anos mais, à Câmara Municipal de Lisboa, âncora indispensável deste evento. A Vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto, foi representada nesta sessão de Encerramento pela sua Chefe de Gabinete, Dra Sílvia Câmara, que nos brindou momentos atrás com sua saudação, mas quero elogiar a participação intensa e empenhada dos vários funcionários da C.M.L, que me permitam simbolizar no companheiro Ernesto Matos, que, aliás, tanto valorizou este Fórum com a excelente iniciativa das 45 pedras da Liberdade, alusiva aos 45 Anos do 25 de Abril.

Estamos chegando ao fim da segunda edição deste Fórum, este ano inspirado por Sena e Sophia. Vamos partir para o 3º, mas, sobretudo, que continuemos ouvindo os alertas do Camilo Mortágua, quanto à exigência diária de defesa da Liberdade e do Pensamento Crítico, e nos lembra que “Liberdade sem pensamento crítico, pode ser apenas “obediência inconsciente” “,  atentos à profundidade de Agostinho da Silva quando afirma “Não há liberdade minha, se os outros não a têm”, seguindo  a máxima de Alípio de Freitas de que não podemos desistir de perseguir a Utopia,  sempre embalados pela Grândola Vila Morena do nosso eterno Zeca Afonso.

Em nome da Comissão organizadora, declaro encerrado o 2º FÓRUM LIBERDADE E PENSAMENTO CRÍTICO.

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Coro ComSonante anima os participantes antes do encerramento do 2º Fórum Liberdade e Pensamento Crítico

Poema “Cantiga de Abril”, de Jorge de Sena

Ainda sob o fascismo, Jorge de Sena questionava em poema “qual a cor da liberdade?”, resposta que terá apenas com a Revolução de Abril, e que escreverá neste poema que vos oferecemos.

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Foto de Henrique Matos de Manifestação do 25 de Abril de 1983 na cidade do Porto. Fonte: Wikipédia.

CANTIGA DE ABRIL

Às Forças Armadas e ao povo de Portugal
“Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade”
Jorge de Sena

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinqüenta anos
reinaram neste país,
e conta de tantos danos,
de tantos crimes e enganos,
chegava até à raíz.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Tantos morreram sem ver
o dia do despertar!
Tantos sem poder saber
com que letras escrever,
com que palavras gritar!

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Essa paz de cemitério
toda prisão ou censura.
e o poder feito galdério,
sem limite e sem cautério,
todo embófia e sinecura.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Esses ricos sem vergonha,
esses pobres sem futuro,
essa emigração medonha,
e a tristeza uma peçonha
envenenando o ar puro.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Essas guerra de além-mar
gastando as armas e a gente,
esse morrer e matar
sem sinal de se acabar
por política demente.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Esse perder-se no mundo
o nome de Portugal,
essa amargura sem fundo,
só miséria sem segundo,
só desespero fatal.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anos
durou esta eternidade,
numa sombra de gusanos
e em negócios de ciganos,
entre mentira e maldade.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Saem tanques para a rua,
sai o povo logo atrás:
estala enfim, altiva e nua,
com força que não recua,
a verdade mais veraz.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

1974

Homenagem aos organizadores do 2º Fórum

A companheira Heloisa Paulo nos envia sua homenagem aos organizadores deste Fórum.

Em forma de tributo do passado aos organizadores…

Os homens da nossa geração fizeram tudo quanto humanamente lhes foi possível fazer para remediar um mal de que só a fraqueza de outros foi a causa. Áspero tem sido o caminho, assinalado já por muito dos nossos mais belos espíritos, que vão caindo sem ver o termo da jornada. Braços mais vigorosos que os nossos devem pegar ou pegaram já no facho luminoso da esperança, para o conduzir à meta final da realização. Estaremos nós presentes quando esse objectivo seja por fim alcançado? Mas que importa isso, se estes curtos momentos que representam toda a nossa existência, se traduzirem em uma luta constante e tenaz pela libertação do país […]

Casablanca 19 de Junho de 1951

                                                           Francisco Oliveira Pio (1897-1972)

 
E o meu agradecimento por continuarem este caminho.
Heloisa Paulo”

Artigo de Isabel do Carmo sobre a Igualdade, publicado no Público

No dia de nosso 2º Fórum, no Público, foi publicado o artigo da membra da Comissão Organizadora, Isabel do Carmo sobre a questão da liberdade e da igualdade, que reproduzimos abaixo.

Falemos então de igualdade

É tempo da Esquerda assumir a luta pela Igualdade com todas as letras. E defender a ideia de que pode haver outros motores para fazer andar as sociedades para além do lucro individual.

A excelente entrevista que a Joacine Moreira deu ao PÚBLICO, e em que enunciou que não há liberdade sem igualdade, foi uma pedrada no charco. O artigo de Francisco Assis a apoiá-la completou a questão. Ele, que foi sempre honesto e claro na sua posição contra a “geringonça e que dava abertura àquilo que se poderá chamar de Bloco Central, surpreendeu muita gente.

O que veio nos jornais e nas redes sociais permite-nos falar de algo que andava esquecido no nosso linguajar político, seja à direita, seja à esquerda, enredados sempre nas tácticas e nas estratégias conjunturais. Falar contra as desigualdades não é o mesmo que falar de igualdade. Falemos então de igualdade. Esta noção política tem evoluído e falemos também para o futuro. Há a igualdade republicana, um corte, uma ruptura com o passado, que conferiu a cada cidadão um reconhecimento que nada tinha a ver com laços e heranças de sangue. “O meu cérebro é igual ao do filho do rei”, dizia uma cidadã durante o processo da Revolução Francesa. Esta dessacralização do rei e da aristocracia, perdida já no passado a divindade real, foi tão forte e beneficiamos hoje tanto dela que nem pensamos como é bom olhar todos olhos nos olhos e não baixar a cabeça. Alguns ainda o fazem…

Depois veio a igualdade democrática e cada cidadão adulto pode eleger e ser eleito. Levámos séculos para a atingir em Portugal e só a temos há quarenta e cinco anos! Foi acompanhada da liberdade. Quanto a esta, só a podemos sentir profundamente, aqueles que vivemos no tempo em que “as paredes tinham ouvidos” e perseguiam as pessoas que “tinham ideias”. Mas nos dias a seguir à libertação, muitos dissemos “o povo não come liberdade”. E passou a lutar pela igualdade, melhores condições de vida. Veio depois a igualdade nas leis e na Constituição: não discriminar ninguém por razões de género, de religião, de etnia ou de orientação sexual. Nesta altura do percurso a lei andou à frente do mundo subjectivo e da cultura. Ainda bem, porque pode ser evocada.

Continuámos a ouvir grandes líderes políticos de esquerda a falar dos “chefes de família”, os homens ou as viúvas, claro. E continuo a ouvir muitas das minhas doentes a queixarem-se do seu duplo ou triplo papel de trabalhadoras, domésticas e mães, num burnout de pouco sono. Alguns maridos gentilmente “ajudam”. Igualdade, isto? E numa reunião social ou política verifica-se que “onde há galos não cantam galinhas”, a voz das mulheres é ultrapassada e algumas optam por ser invisíveis. Igualdade, isto?

Quanto às diferenças de acordo com a pigmentação da pele (fenótipo dependente do local geográfico de origem e da respectiva inclinação do sol, digo isto muitas vezes, porque é necessário), essas resumem-se numa piada dos miúdos da Cova da Moura: “Se vires um branco a correr, está a fazer jogging, se for um negro está a fugir da polícia.” Quanto à orientação sexual, ainda há hoje psicólogos a quererem “curar” a preferência pelo mesmo sexo, como antigamente se atava às costas as mãozinhas das crianças que escreviam com a mão esquerda.

Não entrando ainda nas desigualdades sociais, dizia eu um dia numa reunião onde também estava a Joacine a preparar a exposição “O Império do Medo – escravatura, tráfico negreiro e racismo”, em Óbidos: “o pior mesmo é ser mulher e negra.” Ela acrescentou: “e ser empregada doméstica e mãe solteira.” O ramalhete das desigualdades completo. Substituiria ou acrescentaria o ser empregada doméstica por empregada na restauração, onde não há horários nem são admitidas reclamações, onde se faz chantagem, em relação a todos aqueles que vieram de fora e necessitam de um documento de trabalho para terem visto do SEF. E habitam nas periferias cada vez mais periféricas, quantas vezes em bairros improvisados. Igualdade, isto? Liberdade, isto?

As desigualdades são mundiais, como é evidente, mas também são grandes na Europa e no nosso país. Nos últimos 30 anos, nos países da OCDE (“valores culturais europeus”), os 10% mais ricos comparados com os 10% mais pobres passaram de um índice de 7,1 para 9,5 mais. Cada vez os “valores europeus” se acentuam mais… Desigualdade significa existência de pobreza, de acordo com os especialistas. Em Portugal, a taxa de pobreza atingiu o seu máximo em 2013 com 30,3% de pobres. Melhorou com a “geringonça” e em 2016 estava em 18,3% (Carlos Farinha Rodrigues). Uma boa parte desses pobres não são marginais, são trabalhadores, sem rendimento por pessoa na família suficiente para habitar e comer. Esses trabalhadores “vendem [barato] a vida para viver” (J. Berger e J. Mohr). Igualdade, isto? Liberdade, isto? Liberdade para se expandirem? Mas não se expandem. Delegam, quando delegam.

Vivemos pois em plena desigualdade e quando não há igualdade não há liberdade. Aliás, a comunicação social, nos seus vários meios, a mainstream, os valores, os bem comportados, relevam as grandes famílias, a que há pouco tempo se chamavam “boas” ou “gente de bem”. São destacados os CEO’s bem-sucedidos, os membros não executivos de variados conselhos de administração de empresas também bem-sucedidas. Fortunas sem trabalhar, aplicam os seus dinheiros na bolsa, passeiam pelos segredos do poder. Só quando lhes toca a descoberta da corrupção caiem em desgraça. Mas a corrupção judicialmente detectável é pouca e não é a ela que pode ser atribuído a maior parte do enriquecimento.

Tenho diante de mim os nomes das 25 famílias mais ricas de Portugal, cujo património, no total, correspondia em 2018 a 10% do PIB português. Estes são os “homens (e mulheres) bons”, usando a linguagem medieval. Não digo os nomes nem quero fulanizar. Quando morre algum dos “homens bons”, os jornais e a televisão dedicam-lhes primeiras páginas e aberturas. Comparo sempre com os sem-abrigo da minha rua. O Sr. Mário Correia, antigo trabalhador, a quem a minha vizinha arranjou um quarto e refeições, morreu no Verão e ela não pôde resgatá-lo para um funeral, porque o corpo ficou retido nos frigoríficos dos Hospitais Civis à espera de alguém de família, de acordo com a lei. E o Sr. Félix, antigo trabalhador gráfico, desapareceu da porta do supermercado onde recebia esmola e lia incessantemente jornais. Fiquei sem saber onde foi parar, embora me tenha dito que tinha ocupado uma casa devoluta.

Quando oiço falar nos funerais dos “homens mais ricos de Portugal”, honrados na voz pública, lembro-me sempre destes dois que talvez possam representar os mais pobres de Portugal. A Esquerda deixou de falar de Igualdade, fala de luta contra as desigualdades, tal como a direita “social-democrata”. A esta gostaria de perguntar olhos nos olhos se são pela Igualdade de facto ou apenas pela “igualdade de oportunidades”, versão adocicada dos que de facto são pelo mercado e pela concorrência, acompanhados de solidariedade. Na melhor das versões.

É altura da Esquerda não ter medo nem vergonha de falar de Igualdade de facto. De nascimento, de habitação, de alimentação, de escola, de acesso à Saúde. A igualdade de nascimento é uma utopia? Nos países mais iguais como os escandinavos, ainda há grupos, elites, distinções pela cultura, separadas das desigualdades económicas e sociais. Mas tão diferentes das nossas!

É tempo da Esquerda assumir a luta pela Igualdade com todas as letras. E defender a ideia de que pode haver outros motores para fazer andar as sociedades para além do lucro individual – a descoberta, a investigação, a paixão pela ciência, pela arte, pela criatividade. É com certeza isso que tem movido os médicos, os investigadores, os artistas. Não é o lucro com certeza.

Contribuição ao debate sobre Migrações e Refugiados, de Teresa Tito de Morais

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II Fórum “Liberdade e Pensamento Crítico”

Liceu Camões
Sábado, 09.11.2019

Teresa Tito de Morais

Os movimentos migratórios são designados por fluxos mistos de pessoas que viajam juntas, de uma maneira geral de forma irregular, recorrendo a meios de transporte idênticos, por razões diferentes uns dos outros. São homens, mulheres e crianças forçados a deixar os seus países devido a um conflito ou perseguições, e são obrigados a fugir em busca de segurança edeuma vida melhor.

Tratam-se de requerentes de asilo, refugiados, apátridas, vítimas do tráfico de seres humanos, crianças não acompanhadas ou separadas das suas famílias e/ou migrantes em situação irregular. São situações muito complexas e constituem desafios permanentes para as pessoas envolvidas e para as sociedades de acolhimento.

A crise humanitária na Europa expôs a dificuldade dos Estados-membros em lidar com um súbito influxo de refugiados e o maior obstáculo para uma solução comum foi a falta de unidade entre os países do continente na resposta aos pedidos de asilo;

Foi em abril de 2015 que a Europa estremeceu perante uma das maiores catástrofes desta crise migratória. Nesse mês, em poucos dias, mais de 900 pessoas, incluindo muitas crianças, perderam a vida após sucessivos naufrágiosperto da ilha italiana de Lampedusa. Apesar dos indicadores de que o número de pessoas que atravessava o Mediterrâneo estava a aumentar, muitos países europeus não estavam prevenidos e o caos prevaleceu;

Quatroanos depois, o drama dos refugiados está longe de estar resolvido. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) anunciou, em 2012, um novo recorde de 42,5 milhões de deslocados forçados a nível mundial. Estes númeroscresceram acentuadamente todos os anos: 51,2 milhões em 2013 e 59,5 milhões em 2014… No final de 2018 foram mais de 70,8 milhões.
Segundo esta Agência das Nações Unidas,este aumento é superior em 50% em cinco anos, e observamos que é cada vez mais difícil para estas pessoas acederem a territórios seguros, particularmente aquelas que viajam por mar. Continua, assim, a ser essencial encontrar soluções políticas para os conflitos que levam as pessoas a fugir e, indiscutivelmente, a Europa precisa estar mais envolvida nestes esforços;

Cumpre notar que as cinco principais crises humanitárias atuais– Síria, Iraque, Afeganistão, Somália, Sudão do Sul – são todas elas crises de longa duração, com níveis historicamente baixos de regresso voluntário de refugiados aos seus países de origem, o que demonstra a enorme incapacidade da comunidade internacional resolver osconflitos armados;

É urgente que os estados-membros cooperem efetivamente e comprometam-se com maise melhoressoluções humanitárias para os refugiados, designadamentena partilha de responsabilidades e no alívioaos países mais pressionados com as migrações, como a Grécia e a Itália, na Europa. Precisamos estar preparados para continuar a acolher refugiados em solo Europeu através da criação de um sistema de asilo mais eficiente;

Cerca de 80% de refugiados no mundo são acolhidos pelos países em desenvolvimento e limítrofes aos conflitos. Este afluxo súbito de pessoas tem um impacto muito significativo no desenvolvimento destes países, tanto nas suas frágeis economias, como nas infraestruturas, como escolas, hospitais e demais serviços públicos. No final de 2018, os países que mais refugiados acolheram foram a Turquia, o Paquistão e o Sudão.

A Europa deverá criar canais de migração regular, implementar programas alargados de reinstalação e regimes de admissão humanitária, agilizar os processos de reagrupamento familiar, entre outras medidas, evitando, também, que as pessoas não sejam forçadas a atravessar o Mar Mediterrâneo, em condições dramáticas, para pedir proteção na Europa.

É elementar uma gestão de fronteiras sensível às obrigações internacionais em matéria de direitos humanos e que não bloqueie o acesso à proteção daqueles que dela tanto necessitam.

Em meu entender, o que é essencial é permitir o acesso ao território para quem precisa de refúgio e continuar a apoiar as autoridades dos países mais pressionados a desenvolver uma capacidade de acolhimento adequada. Os mecanismos de partilha de responsabilidades, designadamente a recolocação de refugiados para outros Estados-membros também deverão ser incrementados.

No ano da criação do Conselho Português para os Refugiados (CPR), 1991, Portugal recebeu apenas 234 pedidos de proteção internacional, no final de 2018contabilizaram-se 1.190 pedidos espontâneos, aos quais acrescem os requerentes provenientes dos programas da recolocação e da reinstalação, num total de perto de 2.000. Portugal registou, assim, num espaço de 25 anos, um aumento de cerca de 700% no número de pessoas que procuraram este país em busca de um local seguro para viver.

Este ano, já se registaram mais de 1.170pedidos de proteção internacional, o que significa um número crescente de pedidos com as consequentes dificuldades no acolhimento e uma situação de sobrelotação constante dos Centros de Acolhimento do CPR.

Nesse sentido, o Conselho Português para os Refugiados sempre defendeu a descentralização e um maior envolvimento das autarquias no acolhimento e integração desta população muito vulnerável, na medida em que nesses locaisse podem encontrar mais oportunidades de inserção laboral e acesso à habitação, ao mesmo tempoque se ajuda a combater a desertificação do interior de Portugal.

Paralelamente, a descentralização (depois de um período inicial de acolhimentonos Centros de Acolhimento do CPR) permitirá uma fundamental sensibilização à escala nacional sobre a situação dos refugiados, permitindo a desconstrução de alguns mitos e estereótipos sobre esta população e o seu acolhimento.

Não há fórmulas de sucesso para assegurar uma integração bem-sucedida, na medida em que esta implica deveres da sociedade de acolhimento, mas também os próprios refugiados. Todavia, o trabalho em estreita parceria com aqueles que melhor conhecem o terreno e as realidades locais é essencial.

A integração não acontece por si só, implica que o refugiado esteja preparado para se adaptar ao estilo de vida da sociedade de acolhimento sem perder a sua identidade cultural. Para a sociedade de acolhimento é necessário demonstrar vontade de adaptar as instituições públicas às mudanças na composição da população, aceitar os refugiados como parte da comunidade e tomar iniciativas que facilitem o acesso aos recursos e aos processos de tomada de decisão.

De salientar que o CPR esteve sempre na linha da frente em matéria de acolhimento e integração de refugiados, com a gestão de centros de acolhimento, com o apoio jurídico e social, com as aulas de língua portuguesa, o apoio para o emprego, etc., pelo que tem muito a oferecer tanto a nível técnico, como também teórico.

A par deste trabalho, a sensibilização da opinião pública, com sessões nas escolas, universidades e o contacto com os órgãos de comunicação social, ajudam a promover um ambiente favorável ao acolhimentoe integração de refugiados em Portugal.

Não há dúvida que os refugiados são das pessoas mais vulneráveis do planeta. Não contam com a proteção do seu país e contam cada vez menos com a ajuda dos países de acolhimento e de trânsito.

Há que reverter este ciclo urgentemente e atuar firmemente para minorar o seu sofrimento, compreender que eles podem dar muito ao país de acolhimento e ajudá-los a reconstruir as suas vidas com dignidade e em paz.

 

Textos de subsídio ao debate sobre Direito ao Descanso e Desigualdades Sociais

Seguem abaixo dois artigos enviados por Isabel do Carmo, uma das introdutoras deste debate. O primeiro, intitulado “As consequências da sobreprodução”, pode ser lido clicando aqui. O segundo foi publicado no jornal Público, em dois de Agosto deste ano, e é de autoria de António Guerreiro, e pode ser lido abaixo.

O Paradoxo da Rainha Vermelha

António Guerreiro

Um dos grandes paradoxos do nosso tempo consiste no seguinte: as novas tecnologias e o desenvolvimento da inteligência artificial deveriam ter diminuído consideravelmente o volume e o horário de trabalho humano — ao ponto de se ter chegado a projectar o fim da sociedade do trabalho —, mas o que se passa é que as pessoas trabalham cada vez mais. E muitos são aqueles que se queixam de que o horário de trabalho estabelecido por contrato se tornou uma ficção porque ninguém regressa a casa enquanto houver tarefas urgentes a cumprir. A categoria do “proletário”, nas suas representações políticas, pertence ao passado, mas na verdade deu-se uma proletarização que atinge até as profissões liberais (os professores são um bom exemplo).

Em 1858, num célebre Fragmento sobre as máquinas que faz parte da Introdução geral à
Crítica da Economia Política, Marx colocou uma hipótese que só em tempos recentes suscitou uma grande atenção, tendo sido mesmo considerada “espantosa”, na medida em que parece não estar nada sintonizada com os fundamentos do marxismo. Essa hipótese é a de que a “lei do valor”, que estabelece uma equivalência entre o valor de uma mercadoria e a quantidade de trabalho que nela está investida, será ultrapassada por um sobrevalor que é o do conhecimento e da inteligência, num sentido muito próximo daquilo a que hoje chamamos “informação”, a que Marx dá o nome de “General Intellect” (ele utiliza a expressão em inglês). Segundo esta hipótese de Marx, as máquinas iriam tornar-se tão eficazes e produtivas que os homens ficariam libertos de todo o trabalho maquinal de produção de mercadorias e iriam aumentar ainda mais o conhecimento, a inteligência colectiva, que por sua vez faria aumentar a riqueza global. Um “cérebro humano colectivo” seria a figura de um novo e imenso poder.

Marx estava no entanto consciente de que não adviria daí o Paraíso e anteviu que as
potencialidades do “General Intellect” — produzir muito mais com muito menos trabalho — iria fazer crescer exponencialmente a actividade económica e, por conseguinte, também a energia requerida e a extensão do território explorado, até ao ponto em que não haveria — e de facto já não há — nenhum recanto isento e exterior a esta lógica. Ele intuiu que se daria um fenómeno que outros, recorrendo a uma personagem de Alice no País das Maravilhas, vieram a chamar o “paradoxo da Rainha vermelha”, que se traduz desta maneira: é preciso correr cada vez mais depressa para permanecer no mesmo lugar. Este paradoxo contém tanto a explicação para o aumento do trabalho, quando estava prometido o contrário, como a explicação para o facto de que a velocidade da degradação a que está sujeito o ambiente é sempre superior à velocidade da informação sobre o estado da degradação.

A ideia marxiana do “General Intellect”, de um “cérebro mundial”, serviu de inspiração a um “cibercomunismo” de extracção tecno-hippie, a que um filósofo chamado Mark Alizart chamou “criptocomunismo” e para o qual actualizou uma célebre formulação leninista: “criptocomunismo é os Sovietes mais o wifi”. Somos assim remetidos para um passado cheio de esperanças e promessas, quando um grupo de hippies lançou, no final dos anos 60, uma revista que se pretendia visionária e de contra-cultura — de que fala Mark Alizart no seu livro sobre o criptocomunismo — chamada Whole Earth Catalog, que misturava cibernética, ecologia e socialismo.

Meio século depois, somos obrigados a verificar que houve um excesso de optimismo. A
internet, com todas as suas vantagens, também permitiu que se erguesse uma sociedade de controle, nos antípodas dos sonhos libertários, e fez prosperar monopólios colossais (comerciais, publicitários, reticulares) que condicionam fortemente a democracia. A grande utopia do diálogo intercultural degenera cada vez mais em conflitos identitários e indignação que se alimenta em circuito fechado. E até aquilo a que se chamou, com imensa alegria e benevolência, “economia de partilha” caiu rapidamente sob o domínio de um “capitalismo cognitivo” que soube apropriar-se de trabalho grátis. Por isso é que se trabalha cada vez mais e uma nova escravatura está em marcha — aqui mesmo, diante de nós — para o bem-estar da economia mundial.