
Há anos, de férias em Cracóvia, visitei o Bairro de Nowa Huta. Para lá chegar, todavia, houve grande dificuldade: ao perguntar pelo transporte que deveria usar, os polacos olhavam-me com certa animosidade.
E eu sem perceber se era o meu inglês, ou o deles, muito mau, ou se lhe estava a pedir o caminho do inferno. Até que o meu filho mais novo, na sua inocência infantil, me disse: “Mãe, é melhor não irmos. Deve ser um bairro muito perigoso”. Não sou de desistir. Encontramos o elétrico certo e lá desaguamos na Praça Ronald Reagan, antes chamava-se Lenine. E, desde já esclareço, não fui a este símbolo do domínio soviético por qualquer tipo de saudosismo, como pareciam desconfiar os habitantes de Cracóvia a quem solicitei ajuda: visitámos Nowa Huta apenas para satisfazer a curiosidade académica da minha filha, na altura estudante de Arquitetura.
Lembrei-me deste episódio quando acabei de ler, nas páginas do JN, um triste episódio, sinal claro dos dias cinzentos que vivemos. A loja Rússia no Porto, há dezenas de anos instalada na Baixa da cidade, agora chama-se apenas Porto. A restante designação encontra-se escondida por uma tarjeta negra. Não foi por solidariedade pela Ucrânia, certamente existe, que os proprietários alteraram o nome do estabelecimento comercial. Fizeram-no com medo de represálias. É este o momento de intolerância dos nossos dias. Mal deflagrou a guerra, os donos da Rússia no Porto começaram a receber ameaças, e os vizinhos temeram retaliações.
Perigoso, verdadeiramente perigoso, é alguém não tolerar o simples nome de uma loja. Essa gente, com certeza, engrossa as fileiras dos censores de Rachmaninoff, Stravinsky, Chostakovitch, deixaram de ler Gogol, Dostoiévski , Tolstoi e recusam assistir aos filmes de Tarkovski. Ou talvez nunca tenham tido contacto com este genial grupo de criadores. E isso explicará muita coisa.
Paula Ferreira, 23 de Maio de 2022